José Pessoa Leal, personalidade do ano 2020

Em 1974 atraído por um anúncio de classificados, cheguei até uma pensão situada na junção das ruas Clarisse índio do Brasil e jornalista Orlando Dantas (Botafogo), a 100 metros da Universidade Santa Úrsula, o estabelecimento era de uma portuguesa que alugava vagas para rapazes e moças, assinei o contrato de locação, em seguida me indicaram o quarto com 4 beliches para 8 ocupantes, coincidentemente me deparei com 3 piauienses, Francisco das Chagas (Russo) de Parnaíba, Edmílson Império (Tico-Tico) Teresina e Jarbas, o professor, também de Teresina, acadêmico de engenharia, primo de José Pessoa Leal, estudante de medicina residente na casa do estudante do Rio de Janeiro.

Na época havia uma efervescência de grande monta de combate ao processo de exceção, as manifestações eclodiam em toda a cidade maravilhosa, por influência de colegas frequentávamos a sede da UNE, localizada na praia do Flamengo nº 36, as reuniões eram frequentes, debates calorosos e violentos, sempre dissolvidos pelos milicos. Vários grupos foram criados com objetivos de romper e combater o processo prende e arrebenta, prática constante dos generais que tomaram o poder da república. Para maior representatividade me filiei ao MR-8 que tinha como principal meta brigar pela anistia ampla, geral e irrestrita, atingiu o auge no final dos anos 70 com o retorno dos exilados ao Brasil.

A chegada do Brizola do Rio Grande do Sul para o Rio de Janeiro, foi motivo de memoráveis carreatas, manifestações, discursos e pronunciamentos de líderes dos movimentos em vários pontos estratégicos, Central do Brasil, Largo da Candelária, Largo da Carioca, Cinelândia, Largo do Machado(Catete), Praça dos Paraíbas(Copacabana), Praça Gen. Osório(Ipanema), Praça do Carmo(Ipanema), Riocentro (Barra da Tijuca) e tantos outros. Foram verdadeiras batalhas físicas para o restabelecimento do processo democrático brasileiro, diretas já, direito ao voto, direito ao exercício de cidadania em toda a sua plenitude.

Quando o Brizola desistiu de resgatar o PTB das mãos da Ivete Vargas, cujas siglas haviam sido negociadas, desencantado migrou para o Rio de Janeiro, sendo o primeiro governador eleito pelo povo após a ditadura, ele tinha o dom da palavra, o dom do convencimento, seu raciocínio muito mais rápido que a velocidade da luz, encantava a todos com seu estilo próprio de falar o que o povo ávido por justiça queria ouvir. Eu em companhia de meus camaradas tivemos o privilégio de estarmos presentes no arrastão da democracia que lotou todos os espaços ao longo da Av. Getúlio Vargas e Av. Rio Branco até a Praça Mal. Floriano em frente ao teatro municipal. Tenho certeza que um evento político de tal magnitude jamais será realizado no Brasil.

Brizola assegurado pela sigla PDT, de autoria do piauiense Carlos Lobo, conseguiu encampar as mais expressivas autoridades, ídolos, artistas e políticos tradicionais em todos os quadrantes do Rio de Janeiro, todos unidos e convictos de suas ideologias para um Brasil produtivo, desenvolvido com renda distribuída igualmente para todos, era o sentimento que tínhamos ao colocarmos nossas vidas e integridade física em risco nos enfrentamentos com os milicos armados até os dentes, autorizados a matar os considerados “subversivos”, era uma luta inglória, a massa desarmada contra o fogo das metralhadoras INA, tiro de pistola 765, bomba de gás lacrimogêneo, cassetetes com acessório cortante na ponta, prisões arbitrárias e criminosas e tantos outros abusos cometidos nos porões do DOI-CODI.

Havia ônibus-celas apelidados de coração de mãe, as duas portas traseiras da viatura eram abertas com os veículos estacionados em pontos estratégicos, tendo todo o espaço cercado por milicos e a força auxiliar da meganha-PM baixando o sarrafo nos manifestantes os obrigando a se refugiarem dentro da caçapa, quando lotadas eram fechadas e direcionadas para a invernada de Olaria (Galpão de triagem da repressão) a mais ou menos 30km do centro do Rio de Janeiro.

Na área central da cidade recordo de alguns batalhões da PM e delegacias de polícias: Delegacia da Rua Santa Luzia, Delegacia 9º DP (Catete), Delegacia da Mem de Sá em frente ao IML, Delegacia da comunidade de São Carlos, Delegacia da Cidade Nova próximo ao jornal o Globo, Delegacia da Central do Brasil na entrada do túnel, Delegacia e Polícia Federal na Praça Mauá, Batalhão da PM na Praça da Harmonia, Batalhão da PM na praça Tiradentes, QCG da PM na Lapa, Unidade do Exército na Tijuca e tantas outras instituições distantes de 4 a 5 km dos eventos, mas a preferencia dos torturadores era em Olaria, para humilhar, espancar, torturar e desestimular o cidadão a continuar com o processo de reivindicação por liberdade. Já no final de todo esse processo e abertura política brasileira praticamente consolidada, houvera alguns núcleos de resistências matando muitos inocentes, orientados e promovidos por milicos sob o comando do sanguinário Mílton Cruz.

Lembro-me do atentado a OAB no centro do Rio, quando uma bomba explodiu matando a secretária do presidente da ordem, outro atentado de grande repercussão ocorreu em um show de manifestação política no Riocentro, graças a Deus o plano foi abortado por um incidente, cujos artefatos explodiu no estacionamento no colo de um dos terroristas que tinha a missão de matar centenas de participantes no evento que o saudoso cantor Gonzaguinha denominou de a festa da vitória, pois a ditadura do Brasil seria encerrada brevemente com o término do mandato do General Figueiredo.

Relato a recente história do Brasil que participei com muita honra, coragem e dedicação para homenagear o prefeito eleito de Teresina José Pessoa Leal. Costumeiramente todo final de ano escrevo nesse veículo homenagem a personalidade do ano e não poderia escolher alguém que dispôs colocar sua vida em risco ao enfrentar todos esses obstáculos que narro, jovem ousado, petulante, corajoso, destemido e que apanhou muito por ser insistente em suas ações, sempre resistindo a não recuar quando as condições eram desfavoráveis, militante permanente em companhia de grandes cartazes da música de protesto como Geraldo Vandré, Chico Buarque de Holanda, Don & Ravel e outros.

Depois da eleição do Pessoa, fiz várias reflexões em tudo que vivemos, sofremos e choramos, graças a Deus estamos vivos para contar essas façanhas, lamentando profundamente pelos que tombaram no percurso da caminhada, lamentavelmente absoluta maioria das metas programadas para quando tomássemos o poder foram destituídas por maus-caracteres, descompromissados, irresponsáveis, desonestos e corruptos, fatos e atos que enodoaram o trabalho realizado para que eu tivesse o direito de me manifestar de forma independente, livre e soberana sem estar preocupado com o processo de censura implantada no governo dos generais, como também todos os brasileiros.

A última manifestação que participei realizada nas escadas da Câmara Municipal do Rio de Janeiro todos tiveram direito a palavra, os que marcaram suas presenças de forma incisivas estão eternizadas em um livro do jornalista Sebastião Nery, como Agnaldo Timóteo, Cidinha Campos, Daisy Lúcidi, Juruna, José Frejat, Saturnino Braga, Marcello Alencar, Nilo Batista, Miro Teixeira, José Messias, Brizola e tantos outros. Foi um momento especial quando fechávamos um trabalho perigoso, ardoroso e vitorioso, dali partimos para a Fiorino em Copacabana, point de encontros de componentes de várias cores partidárias, tiramos a barriga da miséria com os cardápios, sugestão da casa regado a vinhos, shop, cerveja e o velho chá da índia.

Essa história por incrível que pareça permanece em nossas mentes e corações muito viva, levaremos para o nosso túmulo. O Pessoa imediatamente após sua formatura voltou para sua terra natal Água Branca, Jarbas permaneceu um pouco mais no Rio de Janeiro, pois tinha como meta retornar ao Piauí após sua formatura, eu decidi retornar aposentado, fato ocorrido em 2000, Tico-Tico retornou ao seio de seus familiares no bairro Vermelha (já falecido), Russo continuou no Rio, perdemos o contato com ele.

Ocorreu comigo um fato muito interessante, há 3 anos fui a solenidade de entrega de título de cidadania ao então deputado estadual José Pessoa Leal, no término da confraternização ao me dirigir ao estacionamento fui abordado por uma pessoa que me abraçou e fez muita festa demonstrando grande felicidade com a feliz coincidência, perguntei quem era, ele disse seguidas vezes, não acredito que você não está me reconhecendo, retruquei, pode ter certeza que não, ele insistiu: Tu esquecestes do Rio de Janeiro, daqueles banhos com o chuveiro a base de conta-gotas? Imediatamente identifiquei tratar-se do famoso Jarbas Pinga, foi um momento de muita felicidade para nós dois, cujas lembranças e comentários causaram ciúmes a sua digníssima esposa, também pudera, há quase 30 anos não tinha qualquer notícia do meu velho companheiro de lutas, sacrifícios e muito trabalho pela subsistência.

Estou postando abaixo documento de um amigo do meu pai que me ajudou muito a sair ileso ou incólume de todas as broncas que me envolvi ao longo de 26 anos que residi na cidade maravilhosa. Os repressores da liberdade de então ao abordarem o cidadão o documento que tinha validade era a carteira de trabalho assinada, mesmo assim por maldade, crime e safadeza eles jogavam o cidadão trabalhador, pai de família na caçapa. Para preservar minha integridade física andava munido com esse documento que exponho, era como um milagre de Deus, em virtude que cachorro não come cachorro, dois bicudos não se beijam e os milicos se entendem e se respeitam mutuamente.

Carlos Amorim DRT 2081

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Jornalista Carlos Amorim
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