“Alô Mamãe”

Sábado dia 3 o cancioneiro brasileiro ficou mais pobre com o falecimento do cantor Agnaldo Timóteo, calou-se para sempre a voz que encantou o Brasil e o mundo. Conheci o Agnaldo Timóteo nos anos 80 nos movimentos em prol da redemocratização do Brasil liderados por Leonel Brizola, beneficiado pela anistia ampla geral e irrestrita.

Em 1980 por acaso descobri que era vizinho do Agnaldo, residíamos a rua Silveira Martins ao lado do Museu do Palácio do Catete, onde Getúlio Vargas cometeu suicídio. O meu prédio era ligado ao condomínio René Magritte 68, onde residia o Agnaldo, fomos parceiros em todos os movimentos, tenho em minha mente a imagem do Agnaldo indo para os campos de peladas no aterro da praia do Flamengo, sempre calçando tênis, bermudão e camisa regata, nesses trajes estava pronto para qualquer tipo de situação, brigas, discussões, vias de fatos, xingamentos, as vezes desacato a policiais, era aquilo que se pode asseverar, pai e mãe de confusão, atraia para si tudo que fosse indigesto no quesito antissocial.

Sua presença no Maracanã como botafoguense doente na absoluta maioria das vezes deixava aquela praça de esportes no rabo de um camburão, principalmente quando o Bota Fogo perdia. Embora a história demonstre essa diversidade era um homem de coração gigantesco, sensível, humano, sempre preocupado com o bem-estar das pessoas, buscando incessantemente amenizar o fosso entre o maior e o menor, contundente, incisivo e severo ao agredir e atacar autoridades, poderes, instituições descompromissadas na resolução dos problemas sociais, com especial atenção ao combate a fome.

Firmou parceria com o Betinho que encabeçava o projeto de angariar recursos, gêneros alimentícios e outros bens para atender os mais necessitados. Atuei como voluntário na captação de donativos em toda extensão da Av. Atlântica no Rio de Janeiro, o Agnaldo a frente de duas carretas do alto de um carro de som fazendo apelo as famílias abastadas na quela área de privilegiados, o trajeto foi do Leme ao Forte de Copacabana em três horas que durou a carreata as duas carretas estavam abarrotadas de gêneros alimentícios. Um fato que mereceu notoriedade, embora o autor tenha se recusado a se pronunciar, foi a doação de 5mil kg de feijão oferecidos pelo Venâncio Veloso, dono da rede de supermercado Casas da Banha.

Em 1983 o Agnaldo se elegeu deputado federal, era componente de um grupo seleto de candidatos apoiados pelo Brizola, presidente do PDT, militei com todos naquela empreitada histórica e vitoriosa, Cidinha Campos, Daisy Lúcidi, José Frejat, Nilo Batista, Marcelo Alencar, Saturnino Braga, Juruna e tantos outros, a festa da vitória foi na Central do Brasil, a concentração de populares parou a movimentação dos trens suburbanos.

Lembro-me que o Brizola em pronunciamento vigoroso e rigoroso alertou a todos a importância daquele momento, quando o Brasil respirava de fato e de direito ventos democráticos que oferecia a seus filhos toda a liberdade inerente ao ser humano, acrescentando que o mandato conquistado era para beneficiar e servir o povo brasileiro, jamais poderia ser usado para alguém se locupletar, conclui a histórica frase do Artigo 1º, parágrafo único da carta cidadã “O poder emana do povo e em seu nome deve ser exercido”.

Agnaldo Timóteo, deputado federal empossado, vaidoso como era, destemido e ousado ao ocupar pela primeira vez seu acento na câmara alta do país tomou o telefone e fez interurbano para sua genitora com a seguinte frase: Alô mamãe, aqui é o seu preto, deputado federal na câmara alta do Brasil. Resultado, recebeu o apelido de alô mamãe, tendo como presente sua expulsão do partido por ter desobedecido as determinações do nosso chefe maior.

Há quase 50 anos passados a realização de um interurbano era muito caro, embora o Brasil fosse um país riquíssimo, não foi suficiente para o presidente do PDT Leonel Brizola reconsiderar a falha do parlamentar em usufruir do patrimônio público em prol de suas particularidades, lamentavelmente a roubalheira que presenciamos hoje protagonizadas pelos componentes do Congresso Nacional demonstra facilmente a decadência de regras, normas e costumes que se perderam ladeira abaixo daquela época para cá.

Na metade do mandato do Agnaldo, em um movimento de samba na praça da Lapa nos arcos do bondinho, o deputado e o cantor Osvaldo Nunes promoveram uma cessão de tapas, socos, pontapés, chutes, rasteiras e rabo de arraia em público disputando um boy, na realidade tratava-se de uma briga de Titãs, pois essas duas figuras eram incontroláveis, incorrigíveis, inconsequentes de forma absoluta, em virtude desse episódio tornaram-se inimigos.

Em 1991 o Osvaldo Nunes foi assassinado em seu apartamento a Rua Gomes Freire 764, o Agnaldo Timóteo como se podia imaginar foi ao sepultamento do seu algoz no cemitério do Catumbi e fez um discurso de arrepiar, muito emocionado, chorando bastante, se desculpou, pediu perdão ao morto e desejou que o corpo celeste na eternidade recebesse de braços abertos o seu velho amigo parceiro de todas as horas e que infelizmente houve um distanciamento entre ambos por um fato impensado.

O que eu posso dissertar de todos esses fatos é que a vida é uma incógnita, é inexplicável por mais que nos esforcemos não somos capazes de chegar próximo a revelação desses enigmas, eu sou um exemplo de tudo isso, quando criança entre 8 e 10 anos de idade me deliciava folheando as páginas da revista “O Cruzeiro” recebidas mensalmente pelos professores da Escola Normal Antonino freire, eu tinha acesso em virtude de minha mãe ser zeladora e todo aquele material era descartado, em muito pouco tempo tive a sorte ou o privilégio de as personagens que eu admirava nas páginas daquelas revistas estarem todas ao alcance da minha mão, sem que eu tenha feito mínimo esforço para que tal situação acontecesse, ouso em acreditar tratar-se de uma missão.

Outra coisa que me deixa extremamente desconexo de resposta plausível é o fato de um homem que ganhou a vida com a força dos seus pulmões conquistando todo o seu sonho de consumo finalizar seus últimos instantes de vida falecendo simplesmente por não conseguir respirar, talvez quando eu estiver em outra dimensão possa entender esse fato e devidas explicações que o criador de todas as coisas me oferecerá. Que Deus recepcione o Agnaldo Timóteo na eternidade no lugar que ele merece.

Carlos Amorim DRT 2081/PI

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Jornalista Carlos Amorim
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