Antropófagos (a) urbanos (a)

Ao chegar à solenidade fúnebre do radialista Miguel Liberato, saudei os presentes e estendi a mão em direção ao radialista Val Morais, que pegou com dois dedos; o indicador e o polegar na manga social de seda pura que eu trajava, e direcionou para outra pessoa apertar a minha mão, que foi o operador de áudio Chiquinho, que atualmente trabalha na rádio Antares. Fui ali submetido a um constrangimento público por um ato de tamanha imbecilidade, com um agravante, fui informado que o autor dessa atitude temia que a minha cegueira fosse transmitida a ele.

Certa vez estive na Caixa Econômica, prédio da Areolino de Abreu 5º andar, trajava terno e gravata e calçava um sapato de marca, cumprimentei a recepcionista e pedi que ela me anunciasse a certa autoridade. A moça me atendeu, em seguida demonstrando o seu despreparo ela se dirigiu a mim dizendo: Ceguinho sente ali, retruquei; onde? Resposta; do lado direito, acontece que a direita informada era o dela, em seguida ela refez a informação: É do outro lado, que na realidade era o oposto, o esquerdo.

A surpresa maior ainda viria com cinco minutos de chá de cadeira, um emissário da tal autoridade se dirige a mim e entrega dez reais dizendo: Aqui está ceguinho, para você que o doutor mandou, perguntei; o que é isso? Ele confirmou: dez reais. Eu imediatamente devolvi e disse: Diga ao doutor que eu ainda não estou de esmola. Logo em seguida a tal autoridade veio ao meu encontro e se desculpou dizendo pensar se tratar de um ceguinho da Associação dos Cegos do Piauí o qual ele lhe disponibiliza dez reais todos os meses.

Por ocasião da visita do CNJ ao Piauí, me pronunciei naquela solenidade realizada no auditório do egrégio Tribunal de Justiça do Piauí. Com todos os espaços tomados fui aparteado três vezes pelo ministro Gilson Dipp, que percebendo a gravidade das minhas denuncias recomendou verbalmente tomadas de providencias pelo presidente do tribunal. Logo que conclui meu discurso fui abordado pela imprensa para entrevista, fiquei surpreso com uma repórter de televisão, quando me disse (O senhor apesar de cego é muito inteligente).

Em uma ocasião fui convidado para uma solenidade no palácio do governo do Piauí, desci do táxi no cruzamento das ruas Paissandú e 24 de janeiro, trajava terno, gravata e calçava um sapato de marca; resolvi entrar pela porta  lateral onde fica a segurança, um policial militar me abordou perguntando: Você vai pra onde ceguinho? Respondi; a solenidade. Ele retirou do seu trabalho o jardineiro que molhava as plantas, aquele homem simples, estava todo molhado, assim mesmo ele fez o papel de recepcionista governamental e me conduziu até o auditório onde foi realizada a solenidade.

O radialista Joel Silva após um embate pelo telefone ele retornou dando continuidade ao programa e fez a seguinte obra antológica: “Olha o axioma no significado Deus é perfeito, algumas pessoas, muitos de nós temos  deficiência o que não é nada mais do que um freio inibitório para conter a evolução de um caráter, é o caráter que  atrapalha. Olha o Marcos Valério, meu Deus! Tão inteligente bem que podia ter uma deficiência”.

Em uma ocasião quando saía do gabinete do procurador geral do MP do Piauí, ao chegar à porta do elevador toquei com a minha bengala em alguém, me desculpei e estendi a minha mão perguntando: Tudo bem? A resposta foi gentilíssima: Eu não vou pegar na sua mão porque estou com as minhas ocupadas e mesmo você nem é uma mulher bonita. Perguntei a uma meia dúzia de pessoas presentes o nome desse anjo, ninguém me informou, todos são promotores de justiça do estado do Piauí. Realizaram ali um procedimento de corporativismo.

Em uma audiência no Centro de Apoio Operacional a Pessoa com Deficiência, presente a coordenadora e promotora Drª Marlúcia Gomes Evaristo e algumas autoridades da STRANS, fui adjetivado por essa autoridade aos berros que sou antipático em cobrar aplicação da legislação, e concluiu sua gentileza me colocando pra fora do gabinete para que eu assinasse o termo de audiência na recepção.

Para facilitar minha identificação uso um crachá com o meu nome, mas devido à cultura do preconceito, da discriminação e exclusão, as pessoas insistem no termo pejorativo de “ceguinho”.

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Jornalista Carlos Amorim
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