Sem palavras

Em 31 de março de 1964 eu tinha 13 anos de idade, na época residia em uma casa ao lado do prédio da escola normal Antonino Freire, atualmente palácio da cidade Prefeitura Municipal de Teresina. Lembro-me como se fosse agora, toda a movimentação das tropas do exército brasileiro invadindo o prédio da Assembleia Legislativa do Estado do Piauí, na ocasião situava-se no prédio que atualmente funciona a secretaria da cultura do estado, os presos eram amontoados em viaturas de vários tipos, jeep, caminhões e outros, amarrados a cordas, algemados ou coagidos e contidos na mira de metralhadoras, fuzis, pistolas e revólveres, alguns conduzidos para CR outros encarcerados no 25BC e 24º Batalhão de Engenharia e Construção.

A sede da Polícia Federal transformou-se em intenso formigueiro humano, formado principalmente por advogados, os departamentos públicos municipais, estaduais e federais sob intervenção do estado brasileiro dominante, o aeroporto de Teresina que funcionava no final da Avenida Santos Dumont foi submetido a rigorosíssima triagem após autorizados os voos comerciais, a prioridade absoluta eram para as Forças Armadas do Brasil. Os veículos de comunicações emudeceram em um princípio de mordaças, censuras e proibições a livre manifestação, “muito parecido com o que existe nos dias atuais apesar de uma suposta democracia”.

Sou testemunha daquele momento histórico de muito frenesi, com atenção especial as suspensões das aulas do Grupo Escolar Félix Pacheco, decretado pela diretora dona Jesus. Eu era um menino muito ativo, atento, intruso nas conversas diárias que ocorriam em frente ao café avenida na praça Rio Branco no espaço dos engraxates. Outro ponto pitoresco para debate popular a boca pequena, era o bar Carnaúba localizado ao lado do teatro 4 de setembro.

Um fato dantesco ocorreu quando da primeira visita que o recém-empossado ex-presidente da república Mal. Humberto de Alencar Castelo Branco fez a Teresina, a cidade absolutamente guarnecida, o verde-oliva proliferava em todas as ruas da cidade, foi estabelecido o corredor de segurança pelo exército para trânsito exclusivo do presidente da república e sua comitiva. (A época comentou-se a possibilidade do presidente ter se deslocado de helicóptero).

Fato hilariante e cômico, o presidente ainda se movimentava na saída do aeroporto no início da Av. Santos Dumont a 2km no cruzamento com a rua Alameda Parnaíba na esquina do muro do cemitério são José um taxista de nome Xexeira conduzindo seu jeep, por ser pessoa com deficiência auditiva desapercebidamente cruzou a via preferencial do presidente, embora sem oferecer qualquer risco ao mesmo, foi violentamente espancado pelos agentes da PE e enquadrado na lei de segurança nacional, graças à interferência do então professor Afrânio Nunes, conhecido da sua esposa, livrou o motorista de uma cadeia perpétua.

A comitiva prosseguiu passando em frente a cadeia pública atualmente Ginásio Verdão, entrando a esquerda a rua Des. Freitas seguindo até o 25BC onde ficou hospedado incomunicável e inacessível.

Naquela época houve uma semelhança muito grande com a epidemia do Covid-19, pois a superioridade suplantava a todos, igualando a sociedade em patamares semelhante, não havia diferença de cor, credo, religião, diferença social, status, poder econômico e financeiro, postos políticos, poderes, instituições autarquias e autoridades, todas debaixo do tamanco do milico de plantão em gozo do seu lazer e descontração, no ato do exercício do mandato e devidas atribuições aí o bicho pegava, as gentilezas eram a base de pontapé do coturno do ditador, totalitário, intransigente, truculento e arrogante, o que prevalecia era sua vontade e sua própria ideologia, era ele, outra vez ele, de novo ele, mais uma vez ele também, ele tantas vezes fossem necessário ou desnecessário.

Estou fazendo essa narração como fotografando a história presenciada por mim em preto e branco, como também, dissertando com o que está registrado na minha mente os momentos cruéis e terríveis que o povo do Piauí e do Brasil sofreu.

Após consolidado a invasão do Brasil pelos milicos, foram adequadas e adaptadas as regras que seriam cumpridas rigorosamente como o chefão mandava. O estabelecimento do ministério da censura, prisões arbitrária, a prática terrível do pau de arara, assassinatos a sangue frio, as manifestações de estudantes, professores e sociedade civil desorganizada contida a bala ou a cassetete de jucá pau-ferro, bala de 7 6 5 e confinamento nos porões do DOI-CODI.

O adversário dessa tragédia nos remete a reflexões e comparações do que foi no passado e o que é nos dias atuais, embora o estado de miséria, fome e desemprego que vivemos sirva como referencial desabonador, mas a liberdade que conquistamos tem o poder inclusive de amenizar a fome.

Descrevo apenas o início dessa gigantesca tragédia seguida por Gen. Costa e Silva, Gen. Emílio Garrastazu Médici, Gen. Ernesto Geisel e finalmente Gen. de cavalaria Figueiredo.  Para mim basta, até o ano que vem, 2022.

Carlos Amorim DRT 2081/PI

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Jornalista Carlos Amorim
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